13 de abril de 2008

Entrevista para o site Verbo 21 (por Lima Trindade)




DOIS EM UM, para quem não se lembra ou não chegou a conhecer, era um aparelho de som, geralmente grande (mas não muito), que dispunha de rádio e tape-deck ou rádio e toca-discos. Era comum em rodinhas de break e casas classe média. Hoje, dá nome a uma das bandas de... de... hã, vamos dizer, uma banda "alternativa e tropical" das mais promissoras de Salvador (Brasil? Mundo?). É isso mesmo. O som deles é algo (in)definido entre a bossa nova, o rock e o eletrônico. Luisão Pereira e Fernanda é o casal responsável por músicas de rara e quase insustentável leveza. Ele, ex-Penélope, cria os instrumentais, letras, texturas e climas; ela, musicista erudita, toca violoncelo e suspira uma voz doce e delicada. Em setembro de 2007 lançaram um EP com 5 músicas (já esgotado). Agora, finalizam um "disquinho cheio". Mas, por enquanto, fazem segredo do resultado das gravações.

Lima Trindade – Como tem sido a repercussão do EP? Estão satisfeitos com os resultados?

Luisão – Poxa, bastante! A sua vinda até nós é uma prova disto. Só temos tido boas surpresas desde que o EP saiu e disponibilizamos as canções também na internet.

LT – Nana Caymmi, Nina Simone, Ana Luísa, Nara Leão, Beth Gibbons, Elizabeth Fraser, Tracey Thorn... Seriam algumas das influências possíveis para a interpretação altamente poética e delicada da Fernanda? Ou poderíamos pensar também em cantores como Chet Baker ou Thorn Yorke?

Fernanda – Desses nomes maravilhosos que você citou, admiro Nara, Beth Gibbons, Chet Baker e o Thom Yorke. Talvez por admirá-los, eu acabe tentando, intuitivamente, parecer como eles. Digo intuitivamente porque não tenho formação nenhuma, teórica ou prática na área de canto, canto na raça mesmo(risos).

LT – E como foi essa história de se descobrir cantora? Sua família, na sua infância, incentivou você a desenvolver um gosto por Arte, a tornar-se musicista?

Fernanda – Meus pais sempre escutaram muita música em casa! O mais interessante é que eram duas "vertentes" bem definidas, (risos)... Minha mãe escutava tudo de música brasileira (boa) que você possa imaginar e também um pouco de música erudita. Meu pai era mais "pop-rock", escutava de Beatles a Bread, Supertramp, Crosby Stills Nash and Young, Cat Stevens... Tive acesso a essa diversidade toda dentro de casa. Quando era criança, tinha vontade de tocar violino, mas essa vontade de tocar algum instrumento ficou adormecida até a adolescência, que foi quando tomei contato com o Pearl Jam e outras coisas da era grunge (vivi a "fase áurea" do movimento grunge). Comecei a me interessar por rock e, assim, por violão e guitarra. Aprendi a tocar violão sozinha, com aquelas revistinhas de músicas cifradas. Entrei na Escola de Música Villa-Lobos lá no Rio pra estudar violão clássico, mas no primeiro semestre tive contato com o violoncelo e me apaixonei. Resolvi que ia estudar isso mesmo e desde então o violoncelo me acompanha e virou a minha profissão. E como sou abençoada por isso!

Quanto a "ser" cantora, foi totalmente por acaso. Luis estava aqui em casa, ouvindo composições dele. Sentei do seu lado e comecei a cantarolar junto. Aí ele resolveu gravar. No início foi difícil, mas com o tempo (e outras músicas depois...) foi ficando menos traumático (risos)!

LT – Vocês se vêem encaixados dentro de algum rótulo, seja ele rock melancólico, lo-fi, bossa nova, trip-hop ou pop?

Luisão – É complicado isto, sabemos que todo artista gosta de dizer "não me rotulem", mas a questão não é esta. Realmente não sabemos onde a música que fazemos se encaixa.

Dá uma agonia quando vamos disponibilizar canções em sites de música e lá tem que preencher o "gênero", ai aparece uma lista com trocentas coisas! Tanto que no myspace colocamos 'Alternativa' e 'tropical', foi o que nos pareceu mais lógico.

Tem muitos elementos ai nestes rótulos que você citou que está contido na gente. O lo-fi, é gravação caseira, sem muito recurso de estúdio - nos encaixamos. Tem várias bandas que gostamos e que dizem que é trip hop, então temos influência disto também. A bossa-nova... Bem, sou de Juazeiro e João é Deus, entende? (risos)

LT – E você encontrou "Deus" alguma vez? (risos)...

Luisão – Pois é, tive esta sorte. Ele conhece a minha família em Juazeiro, em especial meu irmão mais velho. Tenho lembranças dele de quando criança, já que a casa dos meus pais fica a três casas da casa onde ele nasceu e viveu enquanto morava lá. Mas um encontro marcante mesmo, veio acontecer muitos anos depois. Na época da Penélope, a nossa empresária era a Lucy Vianna, (mulher do Herbert Vianna). Ela falou da adoração dela por João Gilberto e eu falei que ele esteve próximo em alguns momentos da minha infância. Acho que ela não acreditou muito não. Equivaleria como se ela, que era inglesa, dissesse que conhecia o Paul McCartney da rua dela.

Um belo dia, estávamos embarcando com a Penélope para tocar no Rio Grande do Sul. Ao entrarmos na sala de embarque do Galeão, Lucy foi a primeira a avistar, sentado numa cadeira, afastada uns 15 metros de nós, estava ele, de cabeça baixa, lendo uma revista com o violão aos pés. Num tom de brincadeira e um pouco de desafio, Lucy me falou: - Lulu, seu "amigo" está ali. Não vai falar com ele não? Rolou uma risada geral, da banda e equipe. Lembrei que meu irmão sempre me falava: - Se encontrar com João no Rio, fale com ele! Pensei nisto e, pra não ser zoado o resto da viagem e muito por querer mesmo!, resolvi topar o desafio. Fui andando em direção ao cara. Acho que foram os 20 passos mais longos da minha vida! Quando cheguei lá, falei quase sem voz:

- João!?

Ele apenas moveu os olhos pra mim e a sobrancelha esquerda.

- É que eu sou de Juazeiro, irmão de Tatau...

Ele no mesmo momento largou a revista, se levantou e me deu um lindo sorriso, acompanhado de um terno abraço. Começou a perguntar pelos meus pais, pela cidade... Eu nem conseguia assimilar direito o que ele falava, tamanha a minha emoção e surpresa pela simpatia que o João Gilberto é. Deu a chamada pro nosso vôo e eu tive que me despedir. Ele perguntou se eu estava indo pra Juazeiro, falei que não, que viajaria rápido, mas morava mesmo lá, no Rio. Ele prontamente pegou um papel e caneta e anotou o telefone dele.

– Diga a Tatau que me ligue e liga você também, pra me contar mais lá da terra.

Foram as últimas palavras dele. Voltei pra me juntar ao meu grupo completamente inflado. Eu, o "amigo de Deus", ali, indo me juntar aos meus amigos mortais! Rs

- Aê, muleque. Pegou até um autógrafo! (disse um carioca membro da equipe da Penélope)

- Não, é o telefone dele. Respondi orgulhoso e pisando nas nuvens mesmo antes de embarcar no avião (risos).

LT – Luisão fez parte do cenário do rock independente da última década do século passado, marcando sua história com a Penélope e também com o trabalho de produtor. O que mudou desde então na percepção de vocês do artista independente e seu espaço de atuação? Ou não mudou muito?

Luisão – A Penélope começou independente, mas com ela não tenho muita experiência pra falar sobre este mercado. Porque logo a banda foi contratada pela Sony Music e todas as nossas negociações, tramites e lançamentos eram daquele formato megalomaníaco das Majors. Depois de dois discos pela Sony lançamos ainda um pela Somlivre, e logo depois a banda acabou. Mas claro, sempre tive um olho e uma certa vivência no independente. Comecei a ter banda com 11 anos, coloquei muitas fitas-demo no correio, escrevi muitas cartas pra fanzines e toquei em muito inferninhos, rs! Hoje o processo é mais rápido, aperta o enter e vai! Mas algumas coisas ainda são parecidas.

LT – Que banda foi essa aos 11 anos? Tinha nome? Estilo? Conte mais.

Luisão – Conjuntivite. Era de Punk Rock, em Juazeiro, Bahia, no início dos anos 80. Surreal! rs

LT – Como vocês encaram o futuro da indústria musical? Ainda vale a pena lançar CD com capinha, ficha técnica, produção gráfica?

Fernanda – Sim, com certeza. E quanto mais baratearmos as coisas, melhor fica pra todo mundo. Eu gosto muito de artes gráficas, então quando penso em disco, penso música e apresentação visual daquela jornada musical. Luis fala que adora ler ficha técnica de discos. Quem gravou, mixou, masterizou, tocou, onde e quando foi gravado...

LT – Uma iniciativa como a do Radiohead, onde se podia pagar qualquer valor para baixar o disco e, depois, também lançou o CD nas lojas, é viável para um músico fora do mainstream?

Luisão – Se ele vive de shows sim. A internet é um ótimo instrumento pra propagação das canções. Mas não da pra viver só disto. No Brasil não há ainda a cultura de pagar por musicas baixadas na internet (exceto ringtones). Esta é uma questão muito complicada e um território bastante "labiríntico", porque uma série de outras coisas estão envolvidas. O compositor mesmo, vai viver como?

LT – Você pensa em alguma saída? Não acha que essa cultura pode ser mudada?

Luisão – Que pergunta difícil, quem me dera saber!

LT – Por falar nisso, vocês já começaram a gravar o "disquinho cheio"? O que está planejado de diferente do EP lançado em setembro e já esgotado? Há data prevista para lançamento?

Fernanda – Já estamos finalizando a gravação dele. A gente tem uma boa surpresa com relação à distribuição, recebemos um convite bem inusitado e muito em breve, assim que estiver tudo cem por cento, te contamos!

LT – Já estou ansioso. Mas falem a respeito do processo criativo de vocês. Trabalham inicialmente em separado ou partem de improvisações em conjunto?

Fernanda – Começa com Luis compondo, fazendo música e letra, e às vezes recorrendo a seus parceiros. Então já partimos pra gravação e vamos criando os arranjos durante esse processo.Tudo em casa mesmo, desde o metrônomo inicial ate a mixagem. As madrugadas aqui rendem.

LT – Achei curioso que todas as canções do EP tratassem de relacionamentos amorosos e do cotidiano dessas relações. Sei que há uma parceria do Luisão com o Mateus Borba. Isto é casual ou o fato de vocês formarem um casal interfere e determina esse caminho naturalmente?

Fernanda – Acho que é bastante casual. No caso das letras de Mateus, pelo que conheço da obra poética dele, amor, relacionamentos, musas, etc, são temas bastante recorrentes. No caso de Luis, a inspiração vem e ele "desce a mão", (risos). Nunca o vi pré-determinando escrever sobre alguma coisa.

LT – Luisão, você poderia falar também do seu trabalho de composição de trilhas sonoras e jingles? Acredita que quando ouvi a melodia de "Dias" eu me lembrei da abertura do seriado "As Panteras"?

Luisão – Você achou parecido?

LT – Não exatamente. Nem eu sei explicar se há conexão (risos)...

Luisão – Acho que em Dias tem um clima setentista mesmo, mais pro indie do Stereolab. Surgiu de uma brincadeira que Fernanda fez comigo, bem antes do Dois em Um: ela disse que as minhas composições eram "pop" demais, que talvez eu não soubesse compor algo mais "indie". Na mesma noite compus e gravei "Dias", mostrei pra ela no dia seguinte, todo orgulhoso, achando que havia vencido o desafio. E hoje você reforça a tese de Fernanda: "As Panteras" é pop pra cacete! (risos)

E sobre jingles, comecei em Juazeiro, mas a coisa engrenou mais quando vim morar em Salvador. Um dos primeiros jingles que fiz, foi com o meu tio, o sambista Ederaldo Gentil, pra campanha de um candidato a prefeito de Lauro de Freitas. Depois fui pegando a manha e acabei criando uma agencia que funcionou em alguns dos anos 90 - fechei após a decisão de ir morar no Rio de Janeiro com a Penélope em 1998.

LT – E trilhas? Viveu a experiência de criar para longa ou curta metragem?

Luisão – Fiz três curtas e participei da trilha do longa "A Cartomante" (Globo Filmes). Fiz também uma canção para um musical infantil de fim de ano da TV Globo, chamado "A Terra dos Meninos Pelados".

LT – Pra fechar, vocês planejam fazer shows, turnês, dominar o mundo (risos)?

Luisão – Por enquanto terminar o disco, apagar a luz e ouví-lo. Depois quem sabe um belo sorvete de tapioca na Ribeira!! Aliás, o da Sorveteria da Barra tem estado mais gostoso, já percebeu??

Pô, Lima, você acha que eu vou deixar você publicar o nosso plano de dominar a Terra (risos)?!

Fonte: http://www.verbo21.com.br/content/view/76/82/

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